terça-feira, 29 de janeiro de 2013

O trabalho com eixos temáticos na sala de aula



O processo ensino-aprendizagem é dinâmico, complexo, ocorre em situações concretas e tem múltiplas determinações, internas e externas à escola. A aprendizagem não ocorre apenas na sala de aula, mas nela o processo ensino-aprendizagem precisa ser organizado segundo finalidades, objetivos e atividades favorecedoras da construção-reconstrução do conhecimento e da busca de novas formas de aplicá-lo.
O professor deve evitar um fazer pedagógico espontâneo, mecânico, repetitivo, entendendo que as situações de ensino são situações didáticas, determinadas e determinantes.
Deve entender o comprometimento da sala de aula com a escola, a comunidade, a sociedade e a cultura, numa prática educativa assim intencionalizada. Para obtenção da eficácia no ato de ensinar-aprender, tendo em vista aprendizagens significativas, devem-se articular as dimensões humana (relacionada aos aspectos afetivos e cognitivos embebidos de humanidade), técnica (o saber-fazer seu planejamento, seus planos de aula e lidar com elementos eminentemente técnicos) e política (compreender as ações pedagógicas enquanto escolhas em direção à humanização ou não), como nos indica Candau (1989).
O saber histórico escolar reelabora o saber histórico científico por meio das articulações deste com as representações sociais de alunos e professores, adquiridas em outros âmbitos. A sala de aula, percebida como um espaço de interação professor-aluno-conhecimento, deve favorecer sua construção e a busca de novas formas de aplicá-lo.
Nesta perspectiva, o trabalho com eixos temáticos permite a concretização destes encaminhamentos por facilitar a organização dos assuntos, de forma ampla e abrangente, a problematização e o encadeamento lógico dos conteúdos e a abordagem da historicidade na análise dos temas. Como bem nos coloca a equipe que elaborou a Proposta Curricular para o Ensino de História - 1º Grau do estado de São Paulo-, os eixos temáticos: "Transitando das partes para o todo e deste para as partes, realizam um constante vai-e-vem que torna possível o desvendamento das múltiplas contradições do social. Esse movimento do tempo (entendido como contradição, e não como evolução progressiva) permite a reconstituição crítica da história".
O recurso aos eixos temáticos liberta o ensino de História dos conteúdos fixos, cuja aparente unidade é dada pelo estudo do período. Nesta opção, sem que seqüências sejam obrigatórias, os professores têm liberdade de, juntamente com os alunos, escolher temas, assuntos, épocas que desejam estudar. A mudança supõe uma visão de História que não exige o conhecimento de toda a História da humanidade em todos os tempos, mas a capacidade de reflexão sobre qualquer momento da História.
Dentro desta perspectiva, os Parâmetros Curriculares Nacionais sugerem os seguintes eixos temáticos para ensinar-aprender História no I ciclo: História Local e do Cotidiano para as séries iniciais e História das Organizações Populacionais para as séries finais. Enfocarei a seguir algumas considerações para seu encaminhamento no contexto da sala de aula.
É essencial partir do presente do aluno e dos grupos sociais do seu convívio e ampliar seu conhecimento sobre o modo de viver atual de outros grupos, e chegando aos estudos sobre o passado da localidade perceber as mudanças e permanências, das diferenças e semelhanças, o que permitiria a identificação de formas de viver e trabalhar de grupos sociais diferentes no mesmo espaço de vivência dos alunos, em diferentes tempos.
No contexto da sala de aula, o eixo temático História Local e do Cotidiano pode ser encaminhado a partir do levantamento das diferenças e das semelhanças individuais, sociais, econômicas e culturais entre os próprios alunos da classe e entre eles e as demais pessoas que convivem e trabalham na escola. É primordial a ampliação que se dá com esta inter-relação.
Com esses dados em mãos, aprofundar a pesquisa identificando as transformações e as permanências dos costumes das famílias das crianças, seus pais, seus avós e bisavós, o que propicia apreender as relações de parentesco e os laços de afetividade. O quadro pode ser completado com essa mesma identificação quanto às instituições escolares para se aprofundar o olhar e permitir a percepção desse espaço que se constrói ao longo do tempo, o que contribui para a noção de pertencimento, de relações sociais e relações de trabalho.
Ampliar o estudo com a verificação das diferenças e das semelhanças, das transformações e das permanências sociais, econômicas e culturais entre as pessoas e os grupos sociais que convivem na coletividade. Nesta faixa etária, recorrer à oralidade é uma estratégia didática para introduzir os alunos no recurso da entrevista, que pode ser iniciada com um roteiro e ser apresentada por relatos orais ou escritos e desenhos. Existe sempre a possibilidade de levar pessoas da comunidade para conversar com as crianças sobre suas lembranças, suas experiências e fatos marcantes da vida coletiva, além da apresentação de objetos por elas preservados.
A História da Localidade, assim construída, deve interligar este trabalho com o eixo-temático História do Cotidiano, buscando-se informações em diferentes tipos de fontes documentais: entrevistas, pesquisa bibliográfica, imagens, músicas, poesias, fotos, mapas, plantas de cidades e de edificações públicas. A abordagem e a análise destas informações contribuem para a compreensão de como a localidade é no presente e como foi projetada no passado, os projetos idealizados e não realizados e, se possível, as prováveis razões de seu sucesso ou fracasso.
Entrelaçar as atividades favorecendo a comparação das informações e das perspectivas diferentes sobre um mesmo acontecimento, fato ou tema histórico: esta atitude indagativa auxilia na formulação de hipóteses e de questões a respeito dos temas estudados.
É importante registrar, de diferentes formas, os dados coletados em textos, livros, fotos, vídeos, exposições, mapas, portifólios etc, permitindo aos alunos a percepção de como o grupo produziu estes saberes. A noção de tempo é muito complexa e não deve ser formalmente ensinada nas séries iniciais, mas sim introduzida com trabalhos envolvendo as diferentes perspectivas de tempo que permitam percebê-lo como possibilidade de organizar os acontecimentos históricos no presente e no passado: estudar modos de medição de tempo e os calendários de diferentes culturas, distinguir periodicidades, mudanças e permanências na cultura de diferentes sociedades, relacionar um acontecimento com outros de tempos diversos, identificar os ritmos temporais nas atividades de pessoas e de grupos sociais e sua simultaneidade.
Na visão tradicional de ensino, ao professor cabe transmitir conteúdos e informações aos alunos, ouvintes passivos e meros reprodutores. Para auxiliar na construção das noções de tempo e de espaço, que paulatinamente se converterão em conceitos, elaborar linhas do tempo pessoais com fotos, desenhos, colagens e compará-las entre si e com a linha do tempo da localidade - ou até mesmo entrelaçá-las. Essa atividade possibilita a superação do senso comum em busca de um saber mais organizado da realidade em que se vive.
O eixo-temático História das Organizações Populacionais, segundo os PCNs, pode ser efetivado com os seguintes temas para estudos: deslocamentos populacionais, organizações e lutas de grupos sociais e étnicos, organizações políticas e administrações urbanas, organização histórica e temporal.
As sugestões encaminhadas neste trabalho encontram-se em outras visões da prática educativa. Vários estudiosos deslocam a ênfase dada aos conteúdos transmitidos pelo professor para as atividades desenvolvidas pelos alunos, sob a orientação do professor. Piaget, por exemplo, prioriza a observação e a problematização da realidade por entender que o conhecimento é uma construção complexa que envolve os aspectos cognitivos, afetivos e morais em busca da autonomia do sujeito que conhece.
É preciso, então, considerar o conhecimento como um processo aberto, sempre inacabado e provisório. A sala de aula deve propiciar o desenvolvimento da inteligência, o que permite um processo de construção contínua ao colocar o pensamento a serviço da ação. Aprender significa assimilar o objeto a esquemas mentais, cada vez mais complexos. O ensino deve basear-se no ensaio e no erro, na pesquisa, na investigação, na solução de problemas pelos alunos. O fundamental é o processo, e não o produto final. A autonomia explicita-se pela participação e pela busca de novas formas de pensar e de conhecer em situações cooperativas e socializadoras.
Os eixos temáticos sugeridos pela Proposta Curricular para o ensino de História, no estado de São Paulo, produzida pela Coordenadoria de Ensino e Normas Pedagógicas (CENP), são: A criança constrói sua história e A construção do espaço social: movimentos de população. Ambos são muito semelhantes aos sugeridos pelos PCNs, o que facilita sua escolha e aplicação pelos professores.
Na proposta sócio-interacionista de Vygotsky, cada ser humano é único e, por meio de seus processos internos, constrói seus significados e recria sua própria cultura. Neste processo, o pensamento e a linguagem desenvolvem-se mutuamente a partir de inclinações, interesses, impulsos, afetos e emoções. A consciência se constitui de uma inter-relação dinâmica entre intelecto e afeto, as atividades no mundo e a sua representação: constituição da subjetividade a partir de situações de intersubjetividade (o "eu" particular no coletivo genérico).
A linguagem fornece os conceitos e as formas de organização do real que são a mediação entre o sujeito e o objeto de conhecimento, entre o sujeito que conhece e o mundo real. Vygotsky (1991) interliga aprendizado e desenvolvimento, o que traz implicações para a educação e para o contexto da sala de aula. Para o autor, o aprendizado começa com o nascimento da criança, que constrói sua própria história pessoal numa história social já em desenvolvimento. Desta forma, qualquer situação de aprendizagem com a qual a criança se depara na escola tem uma história prévia (pré-história da aprendizagem).
Ressalta, porém, que o aprendizado escolar produz algo fundamentalmente novo ao desenvolvimento: a zona de desenvolvimento proximal, que define as funções que ainda não amadureceram, mas que estão em processo de maturação e devem ser potencializadas. O "bom aprendizado", o "bom ensino" é aquele, portanto, que se adianta ao desenvolvimento, que permite interligar mutuamente desenvolvimento e aprendizagem.
O aprendizado desperta vários processos internos de desenvolvimento, capazes de operar numa situação de cooperação com os outros (professor e companheiros). Internalizados, esses processos tornam-se parte das aquisições de desenvolvimento independente, responsável pela construção da subjetividade em meio à intersubjetividade.
Os professores afirmam que fazem um trabalho assim orientado. É bom enfatizar que trabalhar com História pressupõe superar o senso comum, embora partindo dele, o que é tarefa bastante complexa, ´para a qual é preciso aliar ensino e pesquisa de maneira sistematizada. Efetuar, assim, as atividades propostas com a problematização, o questionamento da realidade e a busca de conteúdos históricos que apresentem as diferentes experiências humanas.
Ao trabalhar com documentos, percebê-los como produzidos, e não cópias fiéis do real; entendê-los como registros de relações coletivas complexas, que contam o modo de viver, as visões de mundo, as dimensões material e simbólica de determinados contextos, a partir da abordagem do seu autor enquanto testemunha de sua época. Os documentos precisam, portanto, ser interpretados e compreendidos enquanto visão produzida, que não se confunde com a própria realidade. São documentos: cartas, livros, relatórios, pinturas, esculturas, fotos, filmes, músicas, mitos, lendas, falas, espaços, construções, instrumentos, ferramentas, utensílios, vestimentas, habitações, meios de locomoção e de comunicação, enfim, os vestígios deixados pela humanidade.
Identificar que textos com conteúdos históricos são produzidos por especialistas a partir de suas escolhas dos fatos históricos, dos sujeitos históricos, de suas análises e das relações entre os fatos abordados. Os PCNs sugerem questionar os textos e dialogar com eles: Em que contexto histórico foi produzido? Quem fala e como fala? Outros sujeitos e outros fatos poderiam ser escolhidos? Como o tempo está organizado? Quais são os argumentos defendidos pelo autor? Como está organizado o seu ponto de vista? Existem outras pessoas que defendem as mesmas idéias? Como pensam as outras pessoas? Como se pode pensar de modo diferente ao do autor? Qual é sua opinião sobre o que o autor defende? Ao trabalhar com a história local, podem-se confrontar os dados coletados e os textos históricos e identificar sua interpenetração ou não e por que isto ocorre.
Procurei, neste capítulo, situar o professor nos debates atuais sobre o ensino de História e alertá-lo para a necessidade de buscar novas formas de trabalhar, de romper com o já estabelecido. A implicação mais significativa dessas proposições é desejar o contexto da sala de aula enquanto interação entre professores, alunos e o conhecimento, potencializadora do desenvolvimento de aprendizagens significativas de agentes sociais que se constroem no processo.
Todas essas atividades devem ser introduzidas aos poucos, e esperam-se respostas pertinentes ao desenvolvimento e ao processo de aprendizagem dos alunos.
 Fonte: http://www.jornal.coc.com.br/

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