O processo ensino-aprendizagem é dinâmico,
complexo, ocorre em situações concretas e tem múltiplas determinações, internas
e externas à escola. A aprendizagem não ocorre apenas na sala de aula, mas nela
o processo ensino-aprendizagem precisa ser organizado segundo finalidades,
objetivos e atividades favorecedoras da construção-reconstrução do conhecimento
e da busca de novas formas de aplicá-lo.
O professor deve evitar um fazer pedagógico espontâneo,
mecânico, repetitivo, entendendo que as situações de ensino são situações
didáticas, determinadas e determinantes.
Deve entender o comprometimento da
sala de aula com a escola, a comunidade, a sociedade e a cultura, numa prática
educativa assim intencionalizada. Para obtenção da eficácia no ato de
ensinar-aprender, tendo em vista aprendizagens significativas, devem-se
articular as dimensões humana (relacionada aos aspectos afetivos e cognitivos
embebidos de humanidade), técnica (o saber-fazer seu planejamento, seus planos
de aula e lidar com elementos eminentemente técnicos) e política (compreender
as ações pedagógicas enquanto escolhas em direção à humanização ou não), como
nos indica Candau (1989).
O saber histórico escolar reelabora o saber histórico
científico por meio das articulações deste com as representações sociais de
alunos e professores, adquiridas em outros âmbitos. A sala de aula, percebida
como um espaço de interação professor-aluno-conhecimento, deve favorecer sua
construção e a busca de novas formas de aplicá-lo.
Nesta perspectiva, o trabalho com eixos temáticos
permite a concretização destes encaminhamentos por facilitar a organização dos
assuntos, de forma ampla e abrangente, a problematização e o encadeamento
lógico dos conteúdos e a abordagem da historicidade na análise dos temas. Como
bem nos coloca a equipe que elaborou a Proposta Curricular para o Ensino de
História - 1º Grau do estado de São Paulo-, os eixos temáticos:
"Transitando das partes para o todo e deste para as partes, realizam um
constante vai-e-vem que torna possível o desvendamento das múltiplas
contradições do social. Esse movimento do tempo (entendido como contradição, e
não como evolução progressiva) permite a reconstituição crítica da
história".
O recurso aos eixos temáticos liberta o ensino de
História dos conteúdos fixos, cuja aparente unidade é dada pelo estudo do
período. Nesta opção, sem que seqüências sejam obrigatórias, os professores têm
liberdade de, juntamente com os alunos, escolher temas, assuntos, épocas que
desejam estudar. A mudança supõe uma visão de História que não exige o
conhecimento de toda a História da humanidade em todos os tempos, mas a
capacidade de reflexão sobre qualquer momento da História.
Dentro desta perspectiva, os Parâmetros Curriculares
Nacionais sugerem os seguintes eixos temáticos para ensinar-aprender História
no I ciclo: História Local e do Cotidiano para as séries iniciais e História
das Organizações Populacionais para as séries finais. Enfocarei a seguir
algumas considerações para seu encaminhamento no contexto da sala de aula.
É essencial partir do presente do aluno e dos
grupos sociais do seu convívio e ampliar seu conhecimento sobre o modo de viver
atual de outros grupos, e chegando aos estudos sobre o passado da localidade perceber
as mudanças e permanências, das diferenças e semelhanças, o que permitiria a identificação
de formas de viver e trabalhar de grupos sociais diferentes no mesmo espaço de
vivência dos alunos, em diferentes tempos.
No contexto da sala de aula, o eixo temático
História Local e do Cotidiano pode ser encaminhado a partir do levantamento das
diferenças e das semelhanças individuais, sociais, econômicas e culturais entre
os próprios alunos da classe e entre eles e as demais pessoas que convivem e
trabalham na escola. É primordial a ampliação que se dá com esta inter-relação.
Com esses dados em mãos, aprofundar a pesquisa
identificando as transformações e as permanências dos costumes das famílias das
crianças, seus pais, seus avós e bisavós, o que propicia apreender as relações
de parentesco e os laços de afetividade. O quadro pode ser completado com essa
mesma identificação quanto às instituições escolares para se aprofundar o olhar
e permitir a percepção desse espaço que se constrói ao longo do tempo, o que
contribui para a noção de pertencimento, de relações sociais e relações de
trabalho.
Ampliar o estudo com a verificação das diferenças e
das semelhanças, das transformações e das permanências sociais, econômicas e
culturais entre as pessoas e os grupos sociais que convivem na coletividade.
Nesta faixa etária, recorrer à oralidade é uma estratégia didática para
introduzir os alunos no recurso da entrevista, que pode ser iniciada com um
roteiro e ser apresentada por relatos orais ou escritos e desenhos. Existe
sempre a possibilidade de levar pessoas da comunidade para conversar com as
crianças sobre suas lembranças, suas experiências e fatos marcantes da vida
coletiva, além da apresentação de objetos por elas preservados.
A História da Localidade, assim construída, deve
interligar este trabalho com o eixo-temático História do Cotidiano, buscando-se
informações em diferentes tipos de fontes documentais: entrevistas, pesquisa
bibliográfica, imagens, músicas, poesias, fotos, mapas, plantas de cidades e de
edificações públicas. A abordagem e a análise destas informações contribuem
para a compreensão de como a localidade é no presente e como foi projetada no
passado, os projetos idealizados e não realizados e, se possível, as prováveis
razões de seu sucesso ou fracasso.
Entrelaçar as atividades favorecendo a comparação
das informações e das perspectivas diferentes sobre um mesmo acontecimento,
fato ou tema histórico: esta atitude indagativa auxilia na formulação de
hipóteses e de questões a respeito dos temas estudados.
É importante registrar, de diferentes formas, os
dados coletados em textos, livros, fotos, vídeos, exposições, mapas, portifólios
etc, permitindo aos alunos a percepção de como o grupo produziu estes saberes.
A noção de tempo é muito complexa e não deve ser formalmente ensinada nas
séries iniciais, mas sim introduzida com trabalhos envolvendo as diferentes
perspectivas de tempo que permitam percebê-lo como possibilidade de organizar
os acontecimentos históricos no presente e no passado: estudar modos de medição
de tempo e os calendários de diferentes culturas, distinguir periodicidades,
mudanças e permanências na cultura de diferentes sociedades, relacionar um
acontecimento com outros de tempos diversos, identificar os ritmos temporais
nas atividades de pessoas e de grupos sociais e sua simultaneidade.
Na visão tradicional de ensino, ao professor cabe
transmitir conteúdos e informações aos alunos, ouvintes passivos e meros
reprodutores. Para auxiliar na construção das noções de tempo e de espaço, que
paulatinamente se converterão em conceitos, elaborar linhas do tempo pessoais
com fotos, desenhos, colagens e compará-las entre si e com a linha do tempo da
localidade - ou até mesmo entrelaçá-las. Essa atividade possibilita a superação
do senso comum em busca de um saber mais organizado da realidade em que se
vive.
O eixo-temático História das Organizações
Populacionais, segundo os PCNs, pode ser efetivado com os seguintes temas para
estudos: deslocamentos populacionais, organizações e lutas de grupos sociais e
étnicos, organizações políticas e administrações urbanas, organização histórica
e temporal.
As sugestões encaminhadas neste trabalho
encontram-se em outras visões da prática educativa. Vários estudiosos deslocam
a ênfase dada aos conteúdos transmitidos pelo professor para as atividades
desenvolvidas pelos alunos, sob a orientação do professor. Piaget, por exemplo,
prioriza a observação e a problematização da realidade por entender que o
conhecimento é uma construção complexa que envolve os aspectos cognitivos,
afetivos e morais em busca da autonomia do sujeito que conhece.
É preciso, então, considerar o conhecimento como um
processo aberto, sempre inacabado e provisório. A sala de aula deve propiciar o
desenvolvimento da inteligência, o que permite um processo de construção
contínua ao colocar o pensamento a serviço da ação. Aprender significa
assimilar o objeto a esquemas mentais, cada vez mais complexos. O ensino deve
basear-se no ensaio e no erro, na pesquisa, na investigação, na solução de
problemas pelos alunos. O fundamental é o processo, e não o produto final. A
autonomia explicita-se pela participação e pela busca de novas formas de pensar
e de conhecer em situações cooperativas e socializadoras.
Os eixos temáticos sugeridos pela Proposta
Curricular para o ensino de História, no estado de São Paulo, produzida pela
Coordenadoria de Ensino e Normas Pedagógicas (CENP), são: A criança constrói
sua história e A construção do espaço social: movimentos de população. Ambos
são muito semelhantes aos sugeridos pelos PCNs, o que facilita sua escolha e
aplicação pelos professores.
Na proposta sócio-interacionista de Vygotsky, cada
ser humano é único e, por meio de seus processos internos, constrói seus
significados e recria sua própria cultura. Neste processo, o pensamento e a
linguagem desenvolvem-se mutuamente a partir de inclinações, interesses,
impulsos, afetos e emoções. A consciência se constitui de uma inter-relação
dinâmica entre intelecto e afeto, as atividades no mundo e a sua representação:
constituição da subjetividade a partir de situações de intersubjetividade (o
"eu" particular no coletivo genérico).
A linguagem fornece os conceitos e as formas de
organização do real que são a mediação entre o sujeito e o objeto de
conhecimento, entre o sujeito que conhece e o mundo real. Vygotsky (1991)
interliga aprendizado e desenvolvimento, o que traz implicações para a educação
e para o contexto da sala de aula. Para o autor, o aprendizado começa com o
nascimento da criança, que constrói sua própria história pessoal numa história
social já em desenvolvimento. Desta forma, qualquer situação de aprendizagem
com a qual a criança se depara na escola tem uma história prévia (pré-história
da aprendizagem).
Ressalta, porém, que o aprendizado escolar produz
algo fundamentalmente novo ao desenvolvimento: a zona de desenvolvimento
proximal, que define as funções que ainda não amadureceram, mas que estão em
processo de maturação e devem ser potencializadas. O "bom
aprendizado", o "bom ensino" é aquele, portanto, que se adianta
ao desenvolvimento, que permite interligar mutuamente desenvolvimento e
aprendizagem.
O aprendizado desperta vários processos internos de
desenvolvimento, capazes de operar numa situação de cooperação com os outros
(professor e companheiros). Internalizados, esses processos tornam-se parte das
aquisições de desenvolvimento independente, responsável pela construção da
subjetividade em meio à intersubjetividade.
Os professores afirmam que fazem um trabalho assim
orientado. É bom enfatizar que trabalhar com História pressupõe superar o senso
comum, embora partindo dele, o que é tarefa bastante complexa, ´para a qual é
preciso aliar ensino e pesquisa de maneira sistematizada. Efetuar, assim, as
atividades propostas com a problematização, o questionamento da realidade e a
busca de conteúdos históricos que apresentem as diferentes experiências
humanas.
Ao trabalhar com documentos, percebê-los como
produzidos, e não cópias fiéis do real; entendê-los como registros de relações
coletivas complexas, que contam o modo de viver, as visões de mundo, as
dimensões material e simbólica de determinados contextos, a partir da abordagem
do seu autor enquanto testemunha de sua época. Os documentos precisam,
portanto, ser interpretados e compreendidos enquanto visão produzida, que não
se confunde com a própria realidade. São documentos: cartas, livros,
relatórios, pinturas, esculturas, fotos, filmes, músicas, mitos, lendas, falas,
espaços, construções, instrumentos, ferramentas, utensílios, vestimentas,
habitações, meios de locomoção e de comunicação, enfim, os vestígios deixados
pela humanidade.
Identificar que textos com conteúdos históricos são
produzidos por especialistas a partir de suas escolhas dos fatos históricos,
dos sujeitos históricos, de suas análises e das relações entre os fatos
abordados. Os PCNs sugerem questionar os textos e dialogar com eles: Em que
contexto histórico foi produzido? Quem fala e como fala? Outros sujeitos e
outros fatos poderiam ser escolhidos? Como o tempo está organizado? Quais são
os argumentos defendidos pelo autor? Como está organizado o seu ponto de vista?
Existem outras pessoas que defendem as mesmas idéias? Como pensam as outras
pessoas? Como se pode pensar de modo diferente ao do autor? Qual é sua opinião
sobre o que o autor defende? Ao trabalhar com a história local, podem-se
confrontar os dados coletados e os textos históricos e identificar sua
interpenetração ou não e por que isto ocorre.
Procurei, neste capítulo, situar o professor nos
debates atuais sobre o ensino de História e alertá-lo para a necessidade de
buscar novas formas de trabalhar, de romper com o já estabelecido. A implicação
mais significativa dessas proposições é desejar o contexto da sala de aula
enquanto interação entre professores, alunos e o conhecimento, potencializadora
do desenvolvimento de aprendizagens significativas de agentes sociais que se
constroem no processo.
Todas essas atividades devem ser introduzidas aos
poucos, e esperam-se respostas pertinentes ao desenvolvimento e ao processo de
aprendizagem dos alunos.
Fonte: http://www.jornal.coc.com.br/
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