Superar o analfabetismo nas comunidades rurais no País ainda é
um dos principais desafios para os movimentos de trabalhadores e
trabalhadoras do campo brasileiro. A afirmação foi feita nesta
terça-feira pela integrante da Via Campesina no Ceará, Maria de Jesus
dos Santos, durante palestra no segundo dia do Encontro Unitário dos
Trabalhadores, Trabalhadoras e Povos do Campo, das Águas e das
Florestas, que ocorre em Brasília até amanhã.
Segundo Maria, que citou dados do Instituto Brasileiro de Geografia e
Estatística (IBGE), dos cerca de 14 milhões de analfabetos existentes
no País, quase 5 milhões são camponeses. "O analfabetismo no Brasil não
está presente entre os grandes latifundiários, entre os comerciantes, os
industriais ou os empresários, mas entre os trabalhadores. É uma
questão de classe e precisa ser nossa grande prioridade. Nas comunidades
onde o analfabetismo é forte, é mais fácil haver manipulação, a
organização é mais difícil e os trabalhadores assumem uma postura de
subalternos", disse.
Maria também defendeu uma maior participação dos movimentos
camponeses na formulação das políticas públicas de educação específicas
para essa parcela de brasileiros. "Não queremos ser só beneficiários ou
público-alvo, mas sujeitos nessas políticas", acrescentou.
A integrante da Via Campesina avalia que houve avanços nos últimos
anos, como o lançamento das Diretrizes Nacionais para a Educação Básica
nas Escolas do Campo, pelo Conselho Nacional de Educação, além da
criação das bases para a instituição da Política Nacional de Educação no
Campo, por meio de decreto presidencial, em 2010, mas criticou o
conceito adotado no Brasil de levar à área rural uma "escola
assistencialista, precária e associada aos interesses do latifúndio, sem
reconhecer e valorizar a localidade onde está inserida".
"O projeto de educação no campo deve ser enraizado nos interesses das
organizações camponesas, baseada na agricultura familiar e nos seus
variados modos de vida. As escolas indígenas têm que ter sua cultura, as
quilombolas têm que ter sua história, sua tradição, e as camponesas, os
valores de seus movimentos", diz.
Divina Lopes, integrante do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra
(MST) do Maranhão, que também participa do encontro, disse que a
formação dos professores que trabalham nas escolas do campo precisa ser
específica. Segundo ela, além de enfrentar infraestrutura insuficiente
em diversas unidades, os alunos, em muitos casos, não têm os saberes e
as experiências locais incluídos no processo de ensino.
"Muitas escolas da zona rural na minha região ainda são de pau a
pique. Além disso, em muitas delas, as experiências voltadas para o
campo são deixadas de lado, o que compromete a valorização da história e
da experiência camponesa", lamentou.
José Wilson, secretário de Políticas Sociais da Confederação Nacional
dos Trabalhadores na Agricultura (Contag), disse que uma escola de
qualidade ajuda a fixar os trabalhadores no campo, permitindo que eles
identifiquem oportunidades e potencialidades. "A escola que a gente quer
mantém o povo, inclusive o jovem, no campo, porque lhe confere
condições de promover seu próprio sustento, sua vida com dignidade nesse
espaço. Quando a educação dialoga com a realidade local, as raízes, os
hábitos, os saberes e as vivências que já existem em determinada região,
ela facilita o aprendizado e contribui para um melhor desempenho das
atividades no campo", disse.
De acordo com o representante da Contag, um exemplo seria a inclusão
de técnicas de convivência com a seca, como estratégias de captação de
água da chuva e plantio de espécies adaptadas ao clima nas escolas da
região do semiárido. "Por isso, a educação no campo não pode ser pensada
universalmente, mas regionalmente para que sejam levadas em
consideração as necessidades de cada lugar", defendeu.
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