terça-feira, 1 de fevereiro de 2011

Projeto Político Pedagógico da Educação do Campo[1]

Rodney Garcia
A escola não está comprometida com a reflexão do que se vive, estabelecendo novamente a separação entre o espaço do aprendizado e o espaço da existência cada vez mais fragmentária, incapacitando o sujeito de pensar o cotidiano nas suas implicações: o preço dos ônibus e as eleições, o emprego e a questão da política nacional, a guerra do Golfo e o preço do petróleo, etc. Não tendo o aprendizado da reflexão, o sujeito termina por aceitar, enquanto verdade, o discurso alheio deslocado de seu projeto de vida.
(Frei Beto in GROSSI & BORDINI (Org.). 1996: 16,17)

            Diante das discussões já construídas sobre a materialização de um currículo que identifique e promova a singularidade e a especificidade da educação do campo, uma questão se coloca como imperativa: dar corpo e sentimentos às preconizações legais, pedagógicas e às aspirações dos movimentos populares na prática da educação escolar ou formal. Com isso, o desafio não é mais decidir sobre o quê ou como ensinar. O desafio é decidir sobre por que e para quê ensinar.

Aqui, os conteúdos escolares passam por uma nova semântica. Ou seja, se no passado e, por vezes, ainda presente em algumas práticas de gestão escolar, se questionava e se questiona apenas os métodos de ensino; hoje, o desafio político pedagógico está na capacidade que a comunidade escolar tem para questionar as finalidades da educação e os resultados das práticas educacionais em curso.
            O primeiro questionamento diz respeito ao conceito sobre a função social da escola, enquanto instituição educacional. Identificar sua função social, dando-lhe uma filosofia. Será, pois, a partir da construção de um pressuposto educacional – filosofia – que implicará na construção de conceitos sobre a formação humana. Esses conceitos, segundo Libâneo, Oliveira & Toschi (2003: 294), serão compreendidos mediante a concepção da escola como uma organização orientada por objetivos:
a escola é organizada em que tanto os seus objetivos e resultados quanto seus processos e meios são relacionados com a formação humana, ganhando relevância, portanto, o fortalecimento das relações sócias, culturais e afetivas que nela têm lugar;
as instituições escolares, por prevalecer nelas o elemento humano, precisam ser democraticamente administradas, de modo que todos os seus integrantes canalizem esforços para a realização de objetivos educacionais, acentuando-se a necessidade da gestão participativa e da gestão da participação.
            Com isso, a dimensão humana da educação vai se explicitando e dando corpus à natureza política e pedagógica da escola. Porém, para ser própria de humanos, a gestão escolar tem que estar revestida de práticas voltadas para a participação de todos os segmentos que constituem a comunidade escolar. Ao construir o Projeto Político Pedagógico, a escola, a comunidade escolar, esta exercendo sua autonomia. Autonomia que não implica em proclamar a independência em relação ao poder público.
            Desta forma, o Projeto Político Pedagógico da escola é resultado de um pressuposto e de uma prática de gestão. Gestão esta que implica em pensar com o conjunto da escola pais, alunos, professores e funcionários os destinos da educação, da educação escolar. Ao pensar a educação do campo, a partir do Projeto Político Pedagógico, implica em tomar atitude, em construir método, metodologia, objetivos e finalidades que, por sua vez, implicarão em ações, resultarão em trabalho, muito trabalho. E, por conseguinte, serão referência para as políticas e as relações pedagógicas do e no processo de ensino aprendizagem que se dará na dimensão social da educação.
            A gestão democrática, enquanto política afirmativa do campo e da cidade é requisito para a consolidação do Projeto Político Pedagógico. Pois, será a gestão democrática que possibilitará a mobilização e o envolvimento dos sujeitos sociais nas diversas etapas de construção do Projeto Político Pedagógico; elegerão as prioridades da escola e proporão as melhorias no processo ensino aprendizagem; será, pois, na definição das metodologias para materializar as escolhas, na reivindicação de condições de realização de trabalho de professores, que correspondam minimamente às necessidades vitais dos povos do campo, que o Plano ganhará a dimensão de coletividade.
            Diante da participação da comunidade escolar na construção do Projeto Político Pedagógico, segundo Gadotti (2004), dois eixos se apresentam como importantes reflexos desse exercício coletivo de pensar: a ruptura e as promessas de futuro. A partir desses dois elementos de rupturas e de promessas, os tempos e os elementos facilitadores para a materialização do Projeto Político Pedagógico.
Todo projeto supõe rupturas com o presente e promessas para o futuro. Projetar significa tentar quebrar um estado confortável para arriscar-se, atravessar um período de instabilidade e buscar uma nova estabilidade em função da promessa que cada projeto contém de estado melhor do que o presente. Um projeto educativo pode ser tomado como promessa frente a determinada rupturas. As promessas tornam visíveis os campos de ação possível, comprometendo seus atores e autores.
A noção de projeto implica, sobretudo, tempo:
Tempo político que define a oportunidade política de um determinado projeto.
Tempo institucional. Cada escola encontra-se num determinado tempo de sua história. O projeto que pode ser inovador para uma escola pode não ser para outra.
Tempo escolar. O calendário da escola, o período no qual o projeto é elaborado é também decisivo para o seu sucesso.
Tempo para amadurecer as idéias. Só os projetos burocráticos são impostos e, por isso, revelam-se ineficientes em médio prazo. Há um tempo para sedimentar idéias. Um projeto precisa ser discutido e isso leva tempo. Há evidentemente outros componentes do projeto, sem os quais seu êxito pode ficar comprometido.
Como elementos facilitadores de êxito de um, podemos destacar:
1º Uma comunicação eficiente. Um projeto deve ser factível e seu enunciado facilmente compreendido.
Adesão voluntária e consciente ao projeto. Todos precisam estar envolvidos. A co-responsabilidade é um fator decisivo no êxito de um projeto.
3º Bom suporte institucional e financeiro, que significa: vontade política, pleno conhecimento de todos – principalmente dos dirigentes – e recursos financeiros claramente definidos.
Controle, acompanhamento e avaliação do projeto. Um projeto que não pressupõe constante avaliação não consegue saber se seus objetivos estão sendo atingidos.
5º Uma atmosfera, um ambiente favorável. Não é desprezível um certo componente mágico-simbólico para o êxito de um projeto, uma certa mística (ou ideologia) que cimenta a todos os que se envolvem no “design” de um projeto.
Credibilidade. As idéias podem ser boas, mas, se os que as defendem não tem prestigio, comprovada competência e legitimidade só pode obstaculizar o projeto.
7º Um bom referencial teórico que facilite encontrar os principais conceitos e a estrutura do projeto. (GADOTTI. 2004).
            Com isso, o projeto político-pedagógico da educação do campo será fruto da interação entre os objetivos e as prioridades estabelecidas pela coletividade, que, através da reflexão, traça as ações necessárias à construção de outro paradigma sócio-educacional. O projeto é, antes de tudo, um trabalho que exige comprometimento de todos os envolvidos no processo educativo: professores, equipe técnica, alunos, pais e a comunidade como um todo.
            Essa prática de construção de projetos deve estar amparada por concepções teóricas sólidas e supõe também o aperfeiçoamento e a formação de seus sujeitos. Somente com o envolvimento e o comprometimento de todos os sujeitos será possível romper as resistências em relação a novas práticas educativas preconizadas pelo Projeto Político Pedagógico. Os sujeitos educativos devem sentir-se atraídos por essa proposta, pois só assim terão uma postura comprometida e responsável. Trata-se, portanto, da conquista coletiva de um espaço para o exercício da autonomia.
            A autonomia aqui definida não pode ser confundida com sendo a proposição de um trabalho isolado desenvolvido pela comunidade escolar; se o exercício da autonomia for compreendido como sendo algo próximo do exercício da liberdade ilimitada, que acabe por transformar a escola numa ilha de procedimentos sem fundamentação legal de todo o sistema de ensino; se este conceito, de fato, vir a ser, ela perderá, assim, a perspectiva social, legal, de direito público subjetivo. A autonomia, aqui defendida, implica na responsabilidade e no comprometimento com as instituições e organizações que representam a comunidade, para que haja participação e compromisso de todos.
Dessa forma, a autonomia estará calcada na legalidade, própria as políticas públicas e do interesse público. Assim sendo, é importante observar as bases legais, as resoluções, os pareceres dos sistemas de ensino. Também é importante não perder de vista as bases teóricas que sustentam a autonomia na elaboração do Projeto Político Pedagógico. Conforme já foi dito, a autonomia é um conceito, é uma teoria de exercício de poder, onde as possibilidades de construção e diferenciação de uma política pedagógica se dará a partir de diretrizes, objetivos e metas gerais, estabelecidas pelo sistema de ensino.
            Ilustrando a autonomia, não é legal, moral, social, política ou culturalmente, em nome da autonomia, uma escola promover em seu currículo apologia a utilização do serviço escravo, da precarização e flexibilização dos direitos individuais, sociais e coletivos, de preconceito de qualquer natureza ou gênero. Em se tratando do campo, a autônoma estará umbilicalmente comprometida com o desenvolvimento local, regional, com seus arranjos produtivos, sem perder de vistas os valores universais pretendidos para que mudanças estruturais e atitudinais ocorram, aconteçam.
            Dentro dos pressupostos da autonomia da escola, da escola do campo e da cidade, é possível, é necessário, é importante que o Projeto Político Pedagógico conceba uma sociedade com maior justiça social, o que pressupõe melhor qualidade de vida, por meio de diferentes formas de pensar e atuar sobre a realidade, que se apresenta de modo multifacetado, plural e complexo.
            O Projeto Político Pedagógico, ao propor a valorização dos saberes locais diante do currículo, refletirá também que o ensino traz sobre si o princípio sócio-histórico do conhecimento, ou seja, explicitará que o conhecimento é resultado da construção do ser humano ao longo de suas relações, de seus saberes e, em virtude de suas relações, interações, intervenções, o constrói e o reconstrói, para atender suas necessidades, determinar sua identidade e diferenciar de outros humanos.
            Outro fator importante para a consolidação da autonomia da escola, da escola do campo, diz respeito ao princípio da compreensão das diferenças constituídas e constituintes da localidade, do estado, do país. Ou seja, as diferenças de etnia, gênero, classe, de espaços, que dão origem a diferentes modos e formas de organização da vida, valores e crenças estarão presentes no Projeto Político Pedagógico como parte da política de reconhecer as diferenças e valorizar a diversidade que constitui a identidade sócio-cultural, etno-racial brasileira.
Na perspectiva da autonomia da escola, mediante a construção e a consolidação do Projeto Político Pedagógico, está a concepção do ensino que se dá pela pesquisa, pois, será compreendendo a pesquisa como princípio construtor do processo educativo que os componentes curriculares se articularão de modo a associar a teoria à prática e a prática à teoria. Desse modo, a unidade teoria-prática será orientada pelo princípio da práxis.
            Com isso, pode-se dizer que será a gestão democrática, constituída e exercida pelo princípio da autonomia, como concepção política pedagógica, que resultará no planejamento de ações com vistas a construir conhecimentos e aprendizagens, a partir de mudanças atitudinais. Como pressuposto democrático, observando os tempos, os espaços, as bases legais, os fundamentos e as aspirações dos povos do campo, será, então, possível mudar as práticas assistências e romper com as tomadas de decisões vigiadas.
            A passagem de uma prática autocrática, vigiada, não se dará de uma hora para outra. Para dar conta de uma nova prática organizacional na escola é preciso que a comunidade escolar, seus sujeitos, passe por mudanças como, por exemplo, de paradigmas, formas de se relacionar com o conhecimento, a pesquisa, a organização, a função do ensino e o envolvimento da educação, com vistas a consolidação de sua qualidade. Para fazer acontecer um novo pressuposto de educação é necessário também compreender que a escola é um espaço social que pode estimular as mudanças sociais desejadas, na medida em que ela se propuser a ser dialética, conforme Nogueira (2002: 30):
A escola não está nem fora da sociedade, com uma autonomia absoluta diante dos fatos que estimulam as mudanças sócias, nem muito menos numa relação de subordinação absoluta, que a converte em mera reprodutora do que ocorre em nível mais amplo na sociedade. A escola é parte da sociedade e tem com o todo uma relação dialética há uma interferência recíproca que atravessa todas as instituições que constituem o social. Alem disso, podemos verificar que a escola tem uma função contraditória – ao mesmo tempo em que é fator de manutenção, ela transforma a cultura.
            Assim, aplicado o princípio dialético nas relações da escola com os saberes, para compreendê-los, ressignificá-los, torná-los dialógicos com os saberes e as aspirações locais, o campo, a educação do campo, através de seus sujeitos, dará ao Projeto Político Pedagógico a reciprocidade para exercer influencias sobre a localidade e, simultaneamente, ser influenciada pela localidade. Com isso, pode-se dizer, então, que escola mantém e transforma ao mesmo tempo, influência e é influenciada pela localidade, pelos elementos instituintes e instituídos da sociedade.
            Destaca-se, com isso, a importância que a gestão escolar (direção, coordenação) tem na condução e efetivação dos princípios democráticos, dialógicos. Pois, será pelo exercício da gestão que a direção revelará seu compromisso ético, político e manifestará a compreensão da autonomia fundada no respeito à diversidade, à riqueza das culturas e à procura de superar as marcantes desigualdades locais e regionais na participação e no envolvimento de todos os sujeitos.
            Com a mudança de paradigma da escola do campo, a construção do Projeto Político Pedagógico resultará na ampliação de possibilidades da gestão, uma vez que a escola será, a partir de então, tensionada a construir práticas voltadas para a interação e a participação das partes, a buscar parcerias para solução de problemas e ampliação de novos olhares sobre o contexto educativo.
            Nesse sentido, por exemplo, em uma comunidade cuja base econômica seja a pesca, é preciso que os saberes escolares dialoguem com os saberes e as aspirações dos pescadores; se produtores de banana, milho, café, de gado leiteiro, de aves, suínos, apicultura, etc., do mesmo modo. Para tanto, será necessário que o Projeto Político Pedagógico da escola aponte possíveis parcerias para assessoramento e que, dialogando com as especificidades, corrija as práticas socioeconômicas e melhore a qualidade de vida dos povos. Aqui, as universidades, as secretarias de governo, as experiências de outros assentamentos, de agricultores, pescadores, enfim, práticas bem-sucedidas, somem aos desafios da educação, enquanto diálogo com o local e perspectiva de mundo.
            Diante disso, a exemplo da prática do MST, é preciso planejar a vida e o trabalho, decidir a forma de organização da produção (coletiva ou individual), o que e onde plantar, com quais recursos, fazer projetos para buscar financiamentos, assistência técnica, negociar com agentes externos. É preciso também pensar nas casas, na escola, na saúde, nas estradas, nos arranjos produtivos locais.
            Com isso, compreende-se que a educação é um processo que deve se ligar ao mundo do trabalho e à prática social do campo. Portanto, é necessária a participação dos sujeitos do campo para a construção do Projeto Político Pedagógico voltado para os anseios da coletividade. Assim, percebe-se que as ações educativas estão permeadas de ações políticas e, por conseguinte, se compreende a importância dos gestores escolares possuírem princípios que venham ao encontro dessa demanda, com visão estratégica de futuro.
            Conforme Luck (2000:12), “a escola se encontra no centro de atenção da sociedade. Isto porque reconhece que a educação, na sociedade globalizada e economia centrada no conhecimento, constituem grande valor estratégico para o desenvolvimento de qualquer sociedade, assim como condição importante para a qualidade de vida das pessoas”.
            Este é um enfoque que exige ruptura com o modelo arcaico de educação fundado na cobrança, na oferta do ensino, no controle sobre os alunos, sobre os modos, sobre o pensamento, sobre as concepções pedagógicas. É preciso que a escola tenha uma prática que se proponha a dialogar com demandas sociais que surgem; para tanto, é importante que o gestor tenha conhecimento e habilidade para que possa coordenar esse pressuposto educacional, que é responsabilidade de todos.
            Ressalta-se, com isso, que, construído o Projeto Político Pedagógico, o envolvimento de professores, equipe técnico-pedagógica, funcionários, alunos, pais, e comunidade, resultará na concepção de um jeito diferente de compreender o papel da escola e sua gestão. Neste pressuposto de gestão educacional, o trabalho pedagógico será entendido como prática social que orienta as ações da gestão, com vistas a consolidar os objetivos preconizados pela comunidade escolar, pelo plano que se propõe a melhorar a qualidade da educação.
            Conforme Luck (2000: 89), o paradigma de gestão escolar, do Projeto Político Pedagógico, tem como base alguns fundamentos importantes necessários para a implantação da gestão democrática, onde se destaca:
A realidade é global onde tudo está interligado;
A realidade é dinâmica construída pelas interações entre as pessoas;
O ambiente social e comportamento humano são dinâmicos e imprevisíveis;
A incerteza, ambiguidade, contradições, tensões, conflito e crise são vistos como naturais e como condição e oportunidade de crescimento e transformação;
A busca de realização e sucesso corresponde a um processo e não a uma meta;
A responsabilidade maior do dirigente é a articulação;
As boas experiências não devem ser copiadas, sim ressignificadas por causa das peculiaridades locais e organizacional;
As organizações devem priorizar a participação conjunta e mobilizar equipes atuantes, pois os talentos e a sinergia humanos são recursos poderosos numa organização.
            Estes aspectos são essenciais na visão democrática como garantia de mudanças comportamentais e organizacionais.

Currículo e Projeto Político Pedagógico
         O questionamento que marca a transição entre a escola que apenas transmite conhecimentos e a que constrói cidadania é aquele que se propõe a compreender o currículo. Compreender o currículo como um instrumento social de disseminação de valores, de práticas sociais, de classes.
            Para efeito de superação de uma dúvida que ainda persiste, nas abordagens até agora feitas, o currículo pareceu, por si só, como sendo uma entidade invisível, investida de poderes sobrenaturais. Porém, esse mito, espero, não tê-lo construído. Se o fiz, procurarei desfazê-lo. Desfazê-lo através da explicitação das ações humanas que constituem as políticas educacionais, as práticas de ensino e a busca por escolarização. Em todas estas instâncias existem pessoas. No Congresso Nacional estão os homens e as mulheres que, em nome do povo, fazem as leis, fiscalizam as ações do executivo. Nas secretarias estão os gestores, escolhidos pelo governante para conduzir as políticas educacionais. Nas unidades escolares estão os diretores (também gestores), coordenadores pedagógicos, professores, funcionários, alunos. Na comunidade, pais de alunos, outras pessoas, o time de futebol, os credos religiosos, os pescadores, os lavradores, os agricultores, e muito mais gente que não caberia neste texto.
            Porém, um fato em comum os une, a diversidade que constitui a localidade é a que identifica os sujeitos com suas práticas, ocupações e credos tão singulares, tão próprios. Em comum com a escola, os sujeitos da localidade têm @ net@, @ filh@, @ sobrinh@, @ afilhad@, @ não escolarizad@ (jovem, adult@, idos@). Mais que pessoas envolvidas em laços afetivos, emocionais, culturais, a educação se apresenta como uma possibilidade de vir a ser.
            Entre o mito da escola e as esperanças dos familiares das crianças, uma pessoa importante. Importante pelo que ela representa, enquanto possibilidade de transformação dos espaços e das relações entre os saberes construídos pelas humanidades. Entre os interesses da comunidade e o mito dos saberes formais, uma pessoa: @ professor@, símbolo da esperança ou desesperança.
            Endeusado por uns, questionado por outros, o professor, do campo e Da cidade, vive dilemas, contradições dos modismos, fragilidades teóricas e metodológicas, como conseqüência de seu processo de formação (inicial e continuada). Assim, os conflitos próprios dos “papéis” no processo de construção do conhecimento evidenciam as fragilidades políticas da própria escola, da política educacionais em curso.
            Porém, a responsabilidade ou não no e do processo educacional, na relação entre o ensino e a aprendizagem, é, portanto, feito entre pessoas, gente, sujeitos. Está na articulação da escola, dos saberes locais com os saberes na consolidação de pressupostos de inclusão, melhoria e consolidação da identidade dos povos do campo. Com isso, é possível construir e praticar educação emancipatória, conseqüente e democrática na medida em que a escola vai exercendo sua autonomia didático-pedagógica. Conciliar participação, promover o ato de transformar o ambiente escolar e a relação travada nesta em instrumento alternativo e significante do novo modo de relacionar-se e de pensar a realidade, as possibilidades de vir a ser.
            Seria prudente dizer que a função do Projeto Político Pedagógico é, em primeiro plano, romper com os ranços do autoritarismo para, nesse espaço de idéias e de atitudes, construir ações de superação dos antigos moldes de relações de obediência, de não questionamento. Desta forma, o Projeto Político Pedagógico da educação do campo, da escola do campo, se propõe a romper com valores que aprimorem e ou que se impõem como absolutos no processo ensino aprendizagem. Com este pressuposto, o ato de transmitir conteúdos deixa de ser importante; ganha foco as pessoas, os saberes, os conhecimentos, as necessidades, as perspectivas, os pensamentos, as práticas sociais, culturais e econômicas.
            No Projeto Político Pedagógico o humano encontra, no ato de se educar educando, a importância do processo de aprendizagem como sendo ele a causa e a conseqüência do conhecimento, uma vez que foram os conhecimentos que determinaram e determinam a condição e a contradição de humanos que, sistematizado, transforma-se em poder, em relações de poder.
            Assim, radicalizar o processo de ensino aprendizagem significa voltar às origens para compreender o processo de construção do conhecimento, nos lembra Paulo Freire. Significa dar à educação o sentido de construção e obra do próprio ser humano enquanto ser social, pensante, que se constitui e se estabelece em relações de poder.
            Nessa perspectiva, o Projeto Político Pedagógico é mais que um instrumento que celebra as intenções das partes envolvidas no com os espaços escolares. O Projeto Político Pedagógico se mostra um meio revolucionário e inquietante de pensar com as políticas próprias da escola, dos saberes escolares e os saberes que constituem a identidade da comunidade escolar.
            Em virtude do elemento constituinte da identidade da comunidade escolar, para sua materialização, o Projeto Político Pedagógico exige diálogo, exige saber e conhecer. Mais que saber o que se quer, por vezes, ao dizer o que não quer, a comunidade escolar aponta diagnósticos precisos para conhecer o que se está por mudar. Mudar, começando pelo entendimento da função social da educação, do currículo escolar.
            Implicações de práticas dessa natureza, pensar com leigos – pais, alunos – resultam em novas concepções de relação de poder. Resulta em outras dinâmicas e outras práticas. A gestão e a responsabilidade pelas políticas pedagógicas não mais será exclusiva da direção ou do professor; será da comunidade escolar.
            No caso do campo, da educação do campo, da escola do campo, o Projeto Político Pedagógico determinará as aspirações educacionais que se propõe a construir sujeitos coletivos, onde o estudante deixa de ser mais uma matrícula; ele, o estudante, será concebido como agente do processo histórico. Ao conceber a educação, a educação escolar, a educação escolar do campo, com um pressuposto dessa natureza, inicia-se um processo de ruptura com os fazeres do currículo convencional. E a escola, através da comunidade, ao ousar ir além dos limites resultantes dos vícios do passado, estará se percebendo conhecedora e dotada de conhecimentos e possibilidades. E, somente ousa libertar-se e ao outro, quem conhece e experimentou a liberdade. E o conhecimento tem dessas coisas, pode libertar.
            O compromisso para com a liberdade não sucumbe. Não se deixa abalar. O ideal da educação, do campo e da cidade, se manifesta na sua prática pedagógica e social, na medida em que se compromete em ensinar e construir os conhecimentos em coletividade. Isto é uma ação eminentemente política decorrente da tomada de consciência de ser social. Assim,
O compromisso político floresce quando são desveladas as relações concretas entre a escola e a sociedade; quando o professor percebe que o seu trabalho docente pode exercer funções distintas (a favor das classes dominantes, veiculando seus valores e conhecimentos, ou auxiliando as camadas populares a desenvolver o conhecimento que poderá determinar a valorização de sua cidadania). Diante dessas alternativas sugerem-se algumas reformulações nas Escolas de Magistério objetivando desenvolver, nos futuros professores, as seguintes características:
- aguda consciência de realidade na qual irão atuar;
- sólida fundamentação teórica, que lhes permita ler essa realidade e fundamentar os procedimentos didáticos pedagógicos;
- consciente instrumentalização que lhes permita intervir e transformar a realidade. (OLIVEIRA, 1994: 43).
            Com isso, o Projeto Político Pedagógico da Comunidade Escolar reflete a realidade na qual está inserido e se propõe a transformá-la; a transformar as desesperanças em esperança. A transformar conteúdos, regras e informações em conhecimentos e saberes significantes.
            Diante desse cenário, em particular a direção, coordenação e professores precisam desenvolver a sensibilidade necessária para se colocar como parte do meio em que a educação acontece e, coletivamente, promover situações que levem ao entendimento e posterior transformação da localidade, enquanto aspiração social. Significa retomar a função social da educação, colocando-a a serviço da transformação do pensamento e na geração de atitudes conseqüentes.
            Para tanto, o Projeto Político Pedagógico instituirá meios que garantam formação conseqüente, capaz de subsidiar os pensamentos e as práticas pedagógicas. Isto é, ao coletivo de professores, mediatizados pela construção do Projeto, está também o desafio de conhecer as bases legais, os referencias teóricos e as experiências bem sucedidas em educação do campo.
            Ou seja, é preciso que a comunidade escolar entenda em que conjuntura ela está inserida e que, por conseguinte, estabeleceu um tipo de relação, um conceito que resulta em um tipo de prática e em um tipo de implicação. Mais do que o entendimento e a leitura correta da realidade, as práticas educacionais preconizadas pelo Projeto Político Pedagógico oferecerão meios para determinar que ações pedagógicas serão desenvolvidas para gerar atitudes novas, que levem à participação e ao questionamento e, conseqüentemente, à relativização do que ora se apresenta como absoluto.
            Assim, a ousadia de pensar e de colocar em prática tais pensamentos, é uma atitude plena de liberdade, de convicções. Renunciar ao pensamento inerente ao ser humano é abrir mão da função revolucionária para construir um currículo que semeia transformação, não conteúdos simplesmente. Com isso, o Projeto Político Pedagógico é um constante pensar, pensar sempre, sempre mais. Um pensar com que chama à responsabilidade, enquanto projeto social, das ações que decorrem de uma prática conseqüente de transformação ou de acomodação.

As bases legais do Projeto Político Pedagógico
            Na atual LDB, considerando suas contradições, o Projeto Político Pedagógico está assegurado no título IV, nos artigos 12, 13 e 14, com a seguinte redação:
Art. 12º. Os estabelecimentos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, terão a incumbência de:
I - elaborar e executar sua proposta pedagógica;
[...]
VII - informar os pais e responsáveis sobre a freqüência e o rendimento dos alunos, bem como sobre a execução de sua proposta pedagógica.

Art. 13º. Os docentes incumbir-se-ão de:
I - participar da elaboração da proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;
II - elaborar e cumprir plano de trabalho, segundo a proposta pedagógica do estabelecimento de ensino;

Art. 14º. Os sistemas de ensino definirão as normas da gestão democrática do ensino público na educação básica, de acordo com as suas peculiaridades e conforme os seguintes princípios:
I - participação dos profissionais da educação na elaboração do projeto pedagógico da escola;
            É importante não perder de vista que os sistemas educacionais, através de seus Conselhos de Educação, possuem normas específicas que orientam a elaboração e montagem dos seus projetos políticos pedagógicos. Porém, para o campo, para a educação do campo, além de toda a base legal, tratada no titulo às bases legais (...), é importante que a comunidade escolar tome como principais eixos as Diretrizes Operacionais da Educação das Escolas do Campo – Resolução 01 CNE/CEB/2002; a Resolução nº 2 de 2008 que estabelece diretrizes complementares, normas e princípios para o desenvolvimento de políticas públicas de atendimento da Educação Básica do Campo e do Decreto nº 7.352 de 2010 que dispõe sobre a política de educação do campo e o Programa Nacional de Educação na Reforma Agrária - PRONERA.(grifo meu).

Questões que o Projeto Político Pedagógico da Educação do Campo deve responder
1.      Diagnóstico da realidade:
Quem é o povo do campo? O que pensam? Como vivem? Como estão organizados? Qual a escolaridade? O que produzem? Como produzem? Como comercializam? Como é a infraestrutura do local, do território? Possui atendimento médico? Existem áreas de lazer e recreações? Quais manifestações culturais são mais expressivas do local, do território? Quais os medos do povo do campo? Quais esperanças os movem?
2.      Filosofia e objetivos da etapa e/ou modalidade de ensino:
O que nós queremos com a educação do campo? Qual o conceito de mundo, de ser humano e de sociedade deverá fazer parte da educação pretendida? Que tipo de pessoas nós queremos formar? Para quê? O que nós queremos que o aluno aprenda, que a escola ensine?
2.1.Como a escola será organizada: seriada, modular, ciclada, da alternância, outra?
2.2.Que modalidades de educação básica serão oferecidas: educação infantil, ensino fundamental, ensino médio, EJA, educação à distância, educação profissional, educação do campo, outra?

3.    Gestão democrática:
Como a escola está organizada? Como são tomadas as decisões? Que funções e competências são atribuídas à direção da escola? Quando a comunidade escolar é chamada na escola? O que é discutido com a comunidade escolar?
3.1. Como os movimentos participam da vida escolar:
3.1.1.       Como os saberes dos movimentos (associações, cooperativas, sindicatos, MST, outros) são utilizados como parte integrante do currículo escolar?
3.1.2.       Como os saberes locais (manejo do solo, tecnologias de produção (saberes da terra), combates às pragas, música, dança, poesia, artesanato, outros) chegam à escola?
3.1.3.      Existe Conselho Deliberativo na escola? Como funciona?

4.    Fundamentação Legal e Político pedagógico:
Quem sustenta a educação pretendida (referencial legal e bibliográfico)? O que nós queremos está na lei? Se está, como torná-la realidade? Conhecemos a LDB, o PNE, a Resolução 01/02 CNE/CEB, Resolução nº 2 de 2008 e oDecreto nº 7.352 de 2010?


[1] Oficina ministrada em maio de 2007, no Encontro sobre Educação do Campo, promovido pelo Núcleo de pesquisas, extensão e estudo da complexidade no mundo do trabalho – NECOMT, vinculado à Universidade Estadual de Mato Grosso – UNEMAT – campus de Tangará da Serra, Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra – MST – e a Secretaria Municipal de Educação e Cultura de Tangará da Serra – MT. Palestra ministrada aos gestores municipais, diretores de escolas públicas e Assessores Pedagógicos, em dezembro de 2007, no segundo Seminário de Formação de Educação do Campo, realizado em Cuiabá-MT, promovido pela SEDUC/MT.

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