segunda-feira, 22 de novembro de 2010

Educação no campo: entre o lápis e a enxada

Na mesma proporção em que a agricultura familiar cresce, aumenta a busca por cursos de qualificação no meio rural, sem precisar abandonar a propriedade.

Os manuais de alfabetização na década de 1950 ensinavam: Ivo viu a uva. Hoje, sabe-se que Ivo não se contenta em apenas ver a uva, mas quer aprender mais. A meta é se alfabetizar para conhecer técnicas de manejo que resultem em aumento de produtividade e ganho de competitividade. “Colher a uva, esmagá-la e transformá-la em vinho é cultura”, garante o educador Paulo Freire, grande responsável pela revolução no ensino brasileiro, ao mostrar que o importante é alfabetizar conscientizando.
Na prática, na mesma proporção em que aumenta a representatividade e a participação da agricultura familiar na economia brasileira, cresce também o interesse dos produtores por educação básica e qualificação. Foi o que fez o agricultor do município de Glorinha Antônio Correia Barcelos, que recentemente decidiu aprender a ler e a escrever. Até os dez anos de idade, ele frequentou a escola, mas com a viuvez da mãe se viu obrigado a largar os estudos para trabalhar e ajudar no sustento na casa.



“Tudo era difícil naquela época, o colégio longe da nossa casa, mas nunca é tarde para aprender a ler e escrever”, afirma Barcelos, com 58 anos. Depois de dois anos de curso, o agricultor comemora coisas simples do dia a dia, como poder ler o nome dos produtos no supermercado ou o destino dos ônibus. São feitos que, para ele, representam grandes vitórias. “Quero fazer outros cursos, me especializar na lida com o gado, além de me especializar em mecânica e sanidade”, revela. Barcelos, que cultiva milho, batata e mandioca e cria gado leiteiro, conta que por saber da importância da educação colocou os filhos desde cedo na escola. “Tenho uma na quinta série e outra que já tem segundo grau completo”, fala orgulhoso.



A expansão da agricultura familiar no Brasil, que fornece 70% dos alimentos que chegam à mesa dos brasileiros, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento Agrário (MDA), tem motivado a procura por mais qualificação. A obrigatoriedade de que pelo menos 30% da merenda escolar seja oriunda da agricultura familiar, o programa Mais Alimentos (que financia máquinas e equipamentos agrícolas a juros reduzidos) e o incremento substancial do volume de crédito agrícola via Pronaf, também têm mobilizado os produtores por mais conhecimento como forma de aproveitar as oportunidades e aumentar a produção e a renda.

O MDA aponta ainda que pelo menos 10% do Produto Interno Bruto (PIB) se origina neste segmento. “Todas as categorias de trabalho tendem a fazer o melhor que podem, por isso, muitos jovens procuram escolas e universidades para ajudar nos ganhos da família”, revela a coordenadora estadual da Mulher Trabalhadora Rural da Fetag-RS, Lérida Pazanelo.



A corrida pela educação no campo já refletiu nos números da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2009, levantamento feito pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). A pesquisa revela que a taxa de analfabetismo entre pessoas de 15 anos ou mais está em queda: o percentual passou de 11,5% em 2004 para 9,7% em 2009.



Um retrato mais abrangente da situação do ensino no campo foi feito pelo IBGE, através do Censo Agropecuário 2006. Mesmo com os avanços em prol da educação, 39% dos agricultores brasileiros são analfabetos ou sabem ler e escrever, mas não têm nenhum estudo, e 43% possuem Ensino Fundamental incompleto. Entre as mulheres, o analfabetismo chega a 45,7%, enquanto entre os homens essa taxa é de 38,1%. Os índices para os outros níveis de ensino são: 8% para Ensino Fundamental completo, 7% para técnico agrícola ou nível médio completo e apenas 3% com Nível Superior.



A sede por conhecimento impulsiona também quem é o maior responsável pela educação agrícola no País, o Senar. O chefe da divisão técnica da instituição no Estado, Taylor Guedes, afirma que a cada ano cresce o número de cursos oferecidos. Em 2000 foram 1.200, enquanto em 2010 são mais de 5 mil cursos oferecidos nas mais diversas áreas. “Calculamos que neste ano mais de 90 mil pessoas passem pelos bancos escolares do Senar-RS. Somos cada vez mais procurados, não só pelos agricultores, mas também por empresas que buscam a capacitação para seus integrados”, informa o dirigente.



A oportunidade de comercializar produtos para as escolas, segundo Guedes, foi determinante para incentivar a profissionalização no meio rural. “Não basta saber plantar e criar, é preciso transformar o que se produz em geleias, embutidos, queijos, vinhos”, exemplifica. A previsão é fechar 2010 com mais de 63 mil produtores formados pelos bancos escolares do Senar no Rio Grande do Sul.

Fonte: http://jcrs.uol.com.br/site/noticia.php?codn=46984

Nenhum comentário:

Postar um comentário